2 de agosto de 2008

Os deveres de casa são necessários?

Diz-se coisas bem variadas sobre os deveres de casa, sinal de que se trata de um tema sobre o qual não há unanimidade dos pedagogos, professores e pais; talvez, só os alunos sejam unânimes em condená-los. Os profissionais são os que mais se sentem incomodados diante do tema, pois, em oposição a uma tendência de rechaçá-los, aparece uma prática em que os deveres são uma atividade cotidiana. A pergunta-chave seria: os deveres de casa são necessários? A resposta pode ser apenas uma: depende do que se pretende conseguir com eles. Em princípio, o horário escolar deveria ser suficiente para alcançar os objetivos que a escola se propõe; se isso não ocorre, o lógico seria diminuir tais objetivos ou aumentar o horário escolar.De acordo com isso, uma primeira conclusão poderia ser pensar que os deveres de casa são necessários na escola pública para compensar, ao menos parcialmente, a diferença a respeito do horário das escolas particulares, mas não creio que se chegue a esse nível de justificação. Sem dúvida, ainda poderíamos constatar que as escolas particulares passam mais deveres de casa do que as públicas.Em todo caso, costuma haver, para os deveres de casa, outras razões que basicamente vão em duas direções: a sobrecarga dos programas escolares e a necessidade de que os alunos mais lentos no aprendizado ou com dificuldades possam seguir o ritmo dos outros.Fique claro que passar ou não tarefas para os alunos é uma opção pedagógica de cada escola, que deve ser justificada perante as famílias e os próprios alunos, não são só pelo direito que têm de estar informados de tudo que os afete diretamente, mas também para pedir seu apoio se a decisão é a implantação dos deveres de casa.Vamos pensar no caso da existência deles: que características devem ter para cumprir sua possível finalidade de formação? Basicamente as que comentarei a seguir.Os deveres de casa serão introduzidos aos poucos, à medida que a escolarização avança, não importando as razões específicas pelas quais são instaurados. Seja para tentar completar os programas escolares, seja para resolver situações individuais, a criança de poucos anos não pode ser sobrecarregada com mais atividade escolar além da que se realiza durante o horário normal das escolas. Por conseguinte, seria a partir da 2ª série do ensino fundamental, por volta dos 8 anos, que se poderia iniciar a implantação dos deveres de maneira sistemática.Estes nunca podem consistir numa simples repetição de atividades escolares para preencher algumas horas a mais de tarefa. Isso só causaria aborrecimento e uma postura negativa do aluno perante tais atividades, sem obter em troca benefícios complementares. Não obstante, há uma exceção a este princípio: quando se trata de preencher o tempo de aluno que precisa permanecer em casa ou hospitalizado e se deseja que ele não perca completamente o tempo fora da escola. Nesse caso, os deveres constituem uma alternativa à escolarização e sua natureza pode ser equivalente às tarefas escolares habituais.Outra exceção são as tarefas escolares para os períodos de férias, a fim de que os alunos não percam completamente o ritmo do trabalho intelectual, e para manterem vivas as coisas aprendidas durante o curso. Além disso, podemos afirmar que é indício de qualidade da escola passar deveres de férias bem estruturados, com a obrigação adicional, por parte dos professores, de corrigi-los e informar os alunos a respeito.Mantidas as exceções indicadas, os deveres de casa têm que consistir em atividades complementares às atividades habituais da sala de aula. Quero dizer que devem buscar, por exemplo, as aplicações dos conhecimentos às realidades mais imediatas dos alunos, o que exige fixar-se no mundo que os rodeia para torná-lo compreensível com base no aprendizado escolar. Isso leva a observar o bairro ou a localidade onde se vive, a ter que interrogar os pais e familiares sobre histórias vividas, a elaborar aparelhos ou utensílios de uso doméstico etc.Seria possível dar muitos exemplos de atividades educativas na linha das expostas aqui, mas alguns deles bastarão: o estudo arquitetônico de um edifício próximo que corresponda ao estilo analisado na sala de aula, a elaboração da árvore genealógica da família até uma data determinada, a observação de uma planta do andar ou da casa onde se mora etc.Os deveres também devem servir para consolidar os hábitos de estudo individuais, pois o horário escolar é utilizado preferencialmente para a realização de atividades coletivas e o trabalho em grupos pequenos. Por conseguinte, os deveres de casa terão de fomentar a leitura pessoal, como principal atividade de estudo.Vinculadas ao propósito de desenvolvimento dos hábitos de trabalho pessoal e também para canalizar possíveis interesses pessoais, estão as leituras livres de livros da biblioteca da escola, previamente selecionados segundo a idade dos alunos, ou dos livros de casa que cumpram a mesma finalidade. O estímulo ao hábito de leitura é uma das melhores atividades escolares que se podem recomendar pois, por meio dela, abrem-se as portas de acesso a todo o mundo da cultura – leitura realizada hoje tanto sobre papel como na tela.A fim de resolver as dificuldades pessoais da aprendizagem, os deveres de casa podem pedir a consolidação de alguns aprendizados não suficientemente assimilados, por exemplo, as equivalências das unidades de peso e medida do sistema métrico ou a prática de certas estruturas da expressão escrita. Em todos esses casos, os deveres de casa devem ser propostos como uma oportunidade de pôr-se a par do ritmo geral da classe, nunca como uma sanção por ainda não se dominar os conhecimentos básicos.Quero salientar que o aluno não pode ver nos deveres um castigo, mas considerá-los uma atividade intelectual realizada em casa ou na biblioteca. Sempre deve parecer algo positivo, desejável para qualquer idade, canalizador de inquietações culturais pessoais e uma boa forma de preencher uma parte do tempo livre. Se os deveres de casa são aprendizado, não devem vincular-se ao não-desejável, à sanção, o que de modo algum seria educativo.O pai ou a mãe que tiver acompanhado até aqui as reflexões sobre o dever de casa, poderá pensar que se trata de considerações dirigidas mais aos professores do que aos pais, visto que eles devem determinar a natureza das tarefas escolares. Não lhes faltará razão para isso. Mas, como ocorre com outras propostas pedagógicas já abordadas, os deveres de casa são um dos elementos do projeto educacional da escola, e, portanto, toda a comunidade é responsável por sua implantação. A participação dos pais e dos alunos maiores, em algum momento, terá de ser solicitada, de modo que será conveniente ter uma opinião formada a respeito para poder pronunciar-se com argumentos pertinentes.Na medida em que são feitos fora do horário escolar, os deveres de casa afetam diretamente a vida familiar, então surge a questão sobre qual deve ser o papel dos pais. Devem substituir o professor durante a realização das tarefas dos filhos, ou é melhor deixá-los sozinhos e não intervir? A resposta, como quase sempre, não pode ser categórica num sentido ou no outro para qualquer situação.Em primeiro lugar, podemos dizer que os pais devem proporcionar as condições materiais adequadas para que as crianças realizem suas tarefas com tranqüilidade e com os recursos que precisam. Creio não ser necessário entrar em detalhes a esse respeito, porque já se entende o que pretendo dizer.Sem dúvida, existirão casos em que o horário ou outras circunstâncias não permitirão dispor das condições indicadas; nesses casos convém buscar alternativas, que podem vir das bibliotecas próximas ou da própria escola, que pode pôr à disposição dos alunos suas instalações fora do horário escolar habitual. Essa segunda opção é algo que algumas escolas já têm ensaiado com êxito, após o devido acordo com a associação de pais. Eu mesmo já implantei o sistema numa escola precisamente para resolver o problema das crianças que tinham dificuldade em encontrar em casa um lugar adequado para o estudo e a realização dos deveres. A associação de pais se responsabilizou pelo custo adicional, que representavam o uso das dependências escolares e a presença de um professor com funções de vigilância e suporte.Os pais, ou seus substitutos, devem ter um papel ativo nas atividades que requerem deslocamentos e pôr ao alcance das crianças informações necessárias para sua realização. O exemplo anterior de elaborar a árvore genealógica da família é um dos que exigem a participação ativa dos pais e outros familiares para realizar a tarefa.O princípio geral que creio aplicar-se ao papel dos pais nos deveres escolares seria o seguinte: ajudar na tarefa sem que isso signifique impedir o desenvolvimento da iniciativa pessoal, que é precisamente o que os deveres de casa pretendem estimular. A ajuda consistirá em responder a uma consulta, entregar um material, orientar uma atividade, mas é preciso deixar que a criança faça as tarefas com esforço próprio, a fim de adquirir o horário do estudo pessoal.O exemplo é igualmente uma boa ajuda. Sem ter que também fazer tarefas escolares, a leitura, o estudo ou alguma atividade relacionada com a profissão serão uma forma de mostrar aos filhos que os adultos também realizam tarefas intelectuais fora de seu lugar do trabalho, e que isso é valioso, enriquecedor, para a formação pessoal.Nessa mesma linha, devo recomendar que, no momento de realização dos deveres, os pais não se entreguem a atividades totalmente contrárias amparando-se em sua autoridade ou com a justificativa de que já cumpriram seu horário de trabalho. Estou dizendo que este não é o momento de ir ao cinema ou assistir à televisão, pois tais atividades se opõem ao que os deveres escolares pretendem. Alguns me dirão que isso pode ser duro para os pais, mas, quando o exemplo é decisivo, é preciso sacrificar-se mais uma vez para o bem da educação dos filhos; as situações excepcionais são justamente isto: exceções que não vêm ao caso.Não é difícil encontrar pais que, na preocupação de ajudar os filhos nos estudos de forma direta ou mediante o exemplo, chegam a iniciar algum estudo, até mesmo a concluir cursos acadêmicos, ou ao menos a repassar conhecimentos escolares esquecidos, freqüentar aulas de línguas, etc. Essa é uma atitude recomendável.Neste mesmo capítulo ainda poderíamos analisar o caso do professor particular. Deve-se recorrer a ele? Em certas ocasiões ele pode ser sumamente necessário para ajudar o aluno com dificuldades, a ponto de a própria escola fazer uma recomendação expressa nesse sentido.As tarefas do professor particular podem limitar-se às próprias tarefas dos pais a respeito dos deveres de casa, no sentido já citado de facilitar e estimular sua realização, ou ir além, até significar um complemento direto ou, quem sabe, um substituto do professor da sala, mas com uma atuação docente totalmente personalizada. No primeiro caso, não é necessário realizar um trabalho junto com a escola nem informá-la sobre sua existência, embora o professor particular deva ter o cuidado de não ultrapassar as funções de simples orientação e cair na tentação de fazer as tarefas do aluno.Quando a ação tem de ser mais docente, quando o professor particular exerce tarefas de ensino dos programas escolares porque o aluno tem dificuldades para seguir o ritmo geral da turma, o trabalho em conjunto com a escola se faz necessário. Do contrário, podem aparecer discordâncias, contradições, na metodologia e até mesmo nos conteúdos. A atividade da escola, por meio do professorado diretamente responsável, e a tarefa do professor particular devem ter o mesmo tom para favorecer o aprendizado do aluno em questão.Também pode ser que a escola não veja “com bons olhos” a existência de um professor particular, interpretando-a como falta de confiança nos docentes. Não deve ocorrer tal situação se, previamente, se consulta o professor da escola e se determina claramente o âmbito de atuação do professor particular. Além disso, ambos os professores devem ter comunicação periódica para coordenar suas atividades, como fazem as escolas bem organizadas.Penso que um professor particular pode ser bastante útil para os alunos com dificuldades, contanto que se entenda a situação como uma ajuda complementar, nunca como a substituição do esforço que o aluno deve fazer para aprender e adquirir os hábitos de trabalho intelectual necessários para o estudo. Os próprios pais podem exercer a função de professor particular, embora nem sempre seja fácil trocar o papel de pai ou de mãe pelo de professor, que implica maior distância afetiva que a relação pais - filhos. Por isso, se possível, é recomendável separar esses papéis.Em suma...- Os deveres de casa têm de ser vistos como uma oportunidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos na sala de aula, mas também como a possibilidade de adquirir aprendizados que, por diversas razões, não foram bem-sucedidos na escola.- Pais e mães têm nos deveres de casa uma oportunidade de diálogo com os filhos e ajudá-los, sem que isso implique em isentá-los do esforço de aprender por conta própria.- Um professor particular pode ser uma ajuda valiosa para os alunos com dificuldades na escola, desde que sua atuação seja coordenada com a do professorado.

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